terça-feira, janeiro 19, 2016

Você tem sede de que?



Com oito anos me mudei do que meus pais chamavam de "apartamentão".
Eles moravam em um apartamento menor (onde nasci) e se mudaram para o grande apartamento em questão. O ponto aqui não é ostentação e nem mobilidade social, prometo fundamentar a introdução.

O 'apartamentão' era todo mobiliado, móveis planejados e armários, muitos armários (minha mãe prezava por pertences escondidos). Nada era fora do lugar e não tinha espaço para a criatividade. Lembro-me de certa vez ter a liberdade de colar adesivos na parte interna do armário. 

Dispunha eu, a caçula, de um quartinho ao lado da lavanderia onde poderia "livremente" espalhar brinquedos. Vez ou outra "Olga versão limpeza" surgia por lá e minha liberdade era posta a prova e tudo deveria tomar lugar. 

Então meus pais se separaram e com oito anos me mudei do que meus pais chamavam "apartementão". rs! Ficamos uma temporada na casa dos meus avós e fomos para um apartamento (nem inho, nem ão) na Casa Verde. Minha mãe passou um perrengue naquela época, ficamos um bom tempo sem piso, sem box e sem armários. E a falta de armários planejados trouxe a Versão Criativa de Olga Maria. 

Ela nos libertou.

O meu quarto se tornou um gabinete de curiosidades e nele tudo era permitido. Posso dizer que a partir dai me vi artista ou arteira (rola uma dúvida)

A cadeira adaptada vinda da antiga mesa de copa ganhou um forro novo feito com uma capa de travesseiro. Primeira de muitas vezes que encapei algo. 

Os cestos da cozinha abdicaram cebolas e batatas e no meu gabinete abrigaram coloridos arranjos.

A cama era camuflada por uma nuvem de pelúcia. Mais de 100 construíam uma composição ordenada  por tamanho e cores. 

Cada canto era autobiográfico. Nem a TV manteve sua identidade de fabrica e ganhou um amarelo chamativo. 

Com o tempo novas habilidades surgiram e passei a reformar móveis. Cheguei a passar um domingo transformado uma cama em uma estante, tudo isso dentro do apartamento "nem indo, nem ão". 

Como já previa meu mapa astral (pena que não tive acesso antes) eu iria bitoladamente persistir em fazer faculdade direito ao invés de perceber o que eu realmente gostava de fazer. 

Abandonei. 

Demorei, mas abandonei. Na verdade, meu corpo me abandonou e tudo parou. Sem forças e sem vontade de nada abandonei a vida. Ela me maltratou dos 16 aos 18 e em troca deixei ela de lado. 
Meses praticamente na cama, levantava apenas para ir fazer os cursos de algumas horas na Escola Panamericana e assistia a série Friends compulsivamente.

Em uma família de biológicas com pós doutorado e montanhas de diplomas imaginem o orgulho quando resolvi que a solução dos meus problemas estava na Faculdade de Belas Artes. 

Me formei.

E 'bitoladamente' persisti no erro. Desta vez embarquei no sonho alheio e por vezes incorporei como meu. Enquanto cursava a faculdade abri uma agencia de viagens, que construí com muito carinho mas poucas realizações pessoais. A tela era sempre a do computador, e as cores vinham apenas das fotos de viagens. Burocracia, tédio e brigas intermináveis com um sócio que tinha razão em um coisa o tempo todo, ali não era meu lugar.  O turismo cultural, expedições pedagógicas, o sonho de fazer um setor de impacto social... foram massacrados por bancos, vistos, impostos, planilhas e corporativo. Demorei quase 5 anos para assumir que eu poderia desistir. Largar o osso , correr e pular.

Pular,
para dentro e para fora.
Para dentro e para fora.  

Eu não poderia simplesmente sair. Querendo ao não, criei sonhos com ela e estes sonhos merecem minha parceria. As oficinas surgem em paralelo, com novos projetos e concretizando aquilo que aos 8 anos minhas mãos construíram  e eu deixei escorrer entre os dedos com o tempo. 


Em muitas águas bebi: direito, designer, artesanato, turismo, gestão empresarial.

Não mataram minha sede.

Já sedenta a D'Abu foi batizada. 





Avental de medicina para combinar com a família
também usei um por 7 anos. 






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